Por Damata Lucas
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi às redes sociais na segunda-feira (16) para comemorar a aprovação do regime de urgência — com 346 votos favoráveis — de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que visa sustar o decreto do governo federal que aumentou as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Em tom populista, Motta declarou: “346 votos. Um recado claro da sociedade — a Câmara foi apenas o veículo que ecoou essa demanda: o país não aguenta mais aumento de imposto”.
Mas o que Hugo Motta chama de “recado da sociedade” é, na verdade, um recado claro das elites financeiras e dos super-ricos que não querem pagar sua justa parte em impostos. O aumento do IOF decretado pelo governo é parte de um esforço tímido, mas necessário, para começar a reverter o sistema tributário mais injusto do planeta, onde os pobres pagam proporcionalmente muito mais que os ricos.
O que é o IOF e por que ele incomoda tanto os bilionários?
O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incide sobre créditos, câmbio, seguros e operações com títulos e valores mobiliários. Tradicionalmente usado como ferramenta de política monetária e cambial, o IOF também serve para arrecadar recursos de setores que movimentam grandes volumes de capital — e que, historicamente, são pouco tributados no Brasil.
Em abril de 2024, o governo Lula aumentou temporariamente algumas alíquotas do IOF como parte do pacote de medidas para ampliar a arrecadação sem penalizar diretamente o consumo ou os mais pobres. A lógica era simples: taxar as movimentações financeiras de grandes empresas, fundos de investimento, bancos e pessoas com alta renda.
Mas isso incomodou. E muito.
A Câmara dos Deputados virou uma trincheira da elite
A movimentação de Hugo Motta e seus aliados para derrubar o decreto que eleva o IOF expõe uma aliança explícita com os setores mais privilegiados da economia brasileira, que lucram bilhões e pagam muito menos do que deveriam em impostos. Parlamentares que se dizem preocupados com a “carga tributária” não se levantam contra a taxação abusiva sobre o consumo, que afeta quem ganha um salário mínimo. Eles se levantam quando os seus financiadores — bancos, especuladores, fundos, grandes empresários — são chamados a contribuir.
A urgência aprovada por Motta e os 346 deputados que o acompanharam serve para proteger os interesses de quem acumula fortunas enquanto o povo enfrenta filas no SUS, escolas precárias e falta de moradia. O mesmo presidente da Câmara que agora se diz “em nome da sociedade” também já defendeu o acúmulo de aposentadorias e salários, algo que escancara o seu comprometimento com privilégios e não com o país.
Hipocrisia, cinismo e ataque aos mais pobres
O discurso de Hugo Motta é uma peça de cinismo político. Não há qualquer projeto do Congresso Nacional, sob sua liderança, que proponha taxar lucros e dividendos, impostos sobre grandes fortunas ou reduzir isenções bilionárias para setores ricos. Ao contrário: tudo que se move ali tem um único alvo — os direitos dos mais pobres e o orçamento das áreas sociais.
Ao lado da bancada do agronegócio, do centrão fisiológico e da extrema direita, Motta trabalha para esvaziar os cofres da União e forçar cortes em áreas como educação, saúde, habitação e assistência social. Programas como o Bolsa Família, o BPC e o Minha Casa Minha Vida são sempre os primeiros a sofrer quando o discurso da “austeridade” toma conta.
Justiça fiscal: o IOF como um passo necessário
A proposta do governo de aumentar o IOF não atinge o trabalhador comum. Não se trata de mais impostos sobre o arroz, o feijão ou o gás de cozinha, mas sim sobre movimentações financeiras vultosas, aplicações e operações cambiais. Trata-se de um dos poucos instrumentos de tributação direta sobre o capital e a riqueza líquida em circulação.
Defender o aumento do IOF nesses moldes é defender o mínimo de justiça tributária, em um país onde:
- Os 10% mais ricos detêm quase 60% da renda nacional;
- O 1% mais rico paga proporcionalmente menos imposto do que o trabalhador de carteira assinada;
- O sistema atual penaliza o consumo e isenta rendas elevadas de capital.
Exemplos internacionais: o que o Brasil pode aprender
Enquanto o Brasil insiste em manter um sistema regressivo e injusto, países desenvolvidos e emergentes caminham para um modelo mais equilibrado. Veja alguns exemplos:
- França: aplica uma taxação progressiva sobre grandes fortunas, lucros e dividendos, além de cobrar até 75% de imposto de renda sobre os super-ricos em momentos de crise fiscal.
- Alemanha: adota alíquotas progressivas e um imposto sobre heranças elevadas, com forte redistribuição de renda por meio de políticas públicas.
- Noruega: combina uma alíquota alta de imposto de renda com tributação sobre patrimônio e investimentos, garantindo educação e saúde públicas de alta qualidade.
- Argentina (2020): implementou um imposto emergencial sobre grandes fortunas para enfrentar a pandemia, arrecadando bilhões de pesos com menos de 12 mil pessoas — os mais ricos do país.
- Chile (em debate): discute a implementação de uma taxa permanente sobre grandes fortunas e aumento na taxação de dividendos como forma de financiar a reforma da previdência e ampliar programas sociais.
Esses países não quebraram por cobrar mais dos ricos. Ao contrário: são exemplos de Estados que usam o sistema tributário como instrumento de justiça social e desenvolvimento.
Basta de farsas. É hora de enfrentar a estrutura podre do Congresso
É urgente que a sociedade brasileira rompa o cerco da desinformação promovida por figuras como Hugo Motta. O Congresso Nacional, infelizmente, tornou-se um balcão de negócios para atender os interesses de uma minoria privilegiada, que financia campanhas e mantém seus operadores no poder.
Essa tentativa de derrubar o decreto do IOF é apenas mais um capítulo de uma velha história: a elite econômica e seus representantes eleitos lutando para não contribuir com a construção de um país menos desigual.
Enquanto isso, a conta continua sendo paga por quem depende de transporte público, de vaga na creche, de remédio no posto de saúde e de oportunidade para trabalhar com dignidade.
Você quer pagar mais imposto ou quer que os bilionários paguem sua parte justa?
A escolha está clara. E ela não passa por Hugo Motta.
Imagem: Mário Agra/Câmara dos Deputados