O uso excessivo de dispositivos móveis e a constante conexão digital têm se tornado características marcantes da sociedade contemporânea, trazendo consigo benefícios inegáveis, mas também desafios significativos, sobretudo para a saúde mental. Dados da pesquisa We Are Social e Hootsuite, de 2023, revelam que o Brasil figura entre os países com maior tempo de tela do mundo, com uma média de 9 horas e 32 minutos diários dedicados ao uso da internet em dispositivos móveis. Essa realidade escancara uma relação crescente de dependência digital, que impacta diretamente o bem-estar emocional da população.
Transtornos emergentes da era digital
O comportamento hiperconectado tem sido associado ao aumento de transtornos psicológicos, como FOMO (Fear of Missing Out), FOLO (Fear of Living Offline) e nomofobia. Esses termos, ainda pouco difundidos fora do meio clínico, representam manifestações modernas de ansiedade ligadas ao uso da tecnologia.
- FOMO descreve o medo constante de estar perdendo algo importante, levando o indivíduo a uma vigilância permanente das redes sociais.
- FOLO, por sua vez, refere-se à angústia provocada pela ideia de estar desconectado, revelando uma dependência do ambiente digital.
- Já a nomofobia é o medo irracional de ficar sem acesso ao celular ou à internet, desencadeando sintomas de ansiedade e pânico.
Esses quadros são intensificados pela cultura da instantaneidade e pelo fluxo contínuo de informações, que dificultam a concentração, o descanso e o equilíbrio emocional.
A dimensão estatística do problema
Os números ajudam a dimensionar o impacto desse fenômeno. Segundo o estudo Panorama Mobile Time/Opinion Box (2023), 43% dos brasileiros relatam sentir ansiedade ao ficarem sem acesso ao celular, enquanto 54% afirmam checar mensagens assim que acordam, antes mesmo de outras atividades básicas do dia. Além disso, de acordo com a Global Web Index (2023), 58% dos usuários brasileiros acessam redes sociais mais de 10 vezes ao dia, e 37% relatam sentir necessidade de responder mensagens imediatamente, mesmo quando estão envolvidos em outras tarefas.
Esses dados indicam não apenas uma mudança de comportamento, mas uma potencial deterioração da saúde mental coletiva, alimentada por mecanismos de recompensa imediata e validação social virtual.
Consequências psicológicas e sociais
De acordo com o psicólogo Vagner Vinicius Morais de Araújo, da rede de clínicas médico-odontológicas AmorSaúde, o excesso de conectividade não só contribui para quadros de ansiedade, insônia e dificuldade de concentração, como também estimula sentimentos de insegurança e insatisfação pessoal, intensificados pelas comparações constantes nas redes. Ele alerta que “o bombardeio incessante de informações e estímulos contribui para o desenvolvimento de uma mentalidade imediatista, dificultando a capacidade de lidar com frustrações”.
Outro aspecto preocupante é o isolamento social progressivo. Ainda que a conectividade prometa unir pessoas, muitas vezes ela substitui interações presenciais por conexões superficiais, o que, segundo Araújo, “compromete habilidades sociais, prejudica relações interpessoais e pode favorecer quadros de depressão e transtornos de ansiedade”.
Caminhos para o equilíbrio: construindo uma relação saudável com a tecnologia
Diante desse cenário, torna-se urgente refletir sobre o uso da tecnologia de forma consciente e equilibrada. A prática da desintoxicação digital – ou digital detox – tem ganhado espaço como uma estratégia para reduzir os impactos negativos da hiperconectividade. Isso inclui estabelecer limites para o uso das telas, evitar o uso do celular antes de dormir e utilizar aplicativos que ajudam a monitorar e controlar o tempo de uso.
Além disso, recomenda-se a adoção de hábitos saudáveis, como atividades físicas regulares, meditação, leitura e interação social fora do ambiente digital. Criar momentos intencionais de desconexão, como não utilizar o celular durante as refeições ou ao acordar, são passos simples, mas eficazes, para resgatar o foco, a presença e o bem-estar.
Como ressalta Araújo, “equilibrar a relação com a tecnologia não significa rejeitá-la, mas sim utilizá-la de forma que contribua para a qualidade de vida, e não em detrimento dela”. Em uma era em que estar online parece inevitável, o verdadeiro desafio está em manter-se conectado consigo mesmo.
Edição: Clique PI – Imagem: Freepik