A convocação do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, para explicar o asilo diplomático concedido à ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, abre mais um capítulo da crescente tensão entre governo e oposição no Congresso. Em meio ao cenário de embates recorrentes, a iniciativa da oposição pode ser interpretada sob duas óticas distintas: como um exercício legítimo de fiscalização ou como um movimento político com fins estratégicos.
O asilo, concedido na terça-feira e seguido pela chegada de Nadine ao Brasil no dia seguinte, reacendeu discussões sobre os limites e os critérios da concessão de proteção diplomática. A oposição questiona não apenas os fundamentos jurídicos do benefício, mas também o uso de recursos públicos, como o avião da Força Aérea Brasileira (FAB), para transportá-la — pontos que certamente merecem escrutínio.
Do ponto de vista legal, há divergência entre especialistas. Enquanto alguns juristas sustentam que o processo judicial contra Nadine Heredia tem origem em um contexto de perseguição política e irregularidades processuais — o que justificaria o asilo nos termos da Convenção de Caracas de 1954 —, outros consideram tratar-se de um crime comum, que não se enquadraria nos critérios do asilo diplomático. Essa ambiguidade jurídica contribui para o pano de fundo da disputa política.
A oposição, por sua vez, vê no episódio uma oportunidade para desgastar o governo Lula, especialmente num momento em que o Executivo tenta conter o avanço do projeto de lei que anistia os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. As ações dos parlamentares — seis requerimentos apresentados em um único dia — demonstram articulação e senso de oportunidade. Também revelam um esforço para relacionar o caso Heredia à retórica anticorrupção, resgatando elementos da Operação Lava-Jato que ainda reverberam no debate público.
A estratégia da oposição, embora politicamente calculada, insere-se no legítimo direito de fiscalização do Parlamento. Questionar decisões do Executivo e demandar transparência são pilares do processo democrático. Por outro lado, ao utilizar termos como “indevido favorecimento político-ideológico” ou comparar o caso ao de Cesare Battisti, há o risco de que o debate seja contaminado por excessos retóricos, desviando a atenção de questões substanciais, como os limites da soberania estatal na concessão de asilo e os impactos diplomáticos da medida.
No plano internacional, o episódio pode gerar ruídos entre Brasil e Peru, sobretudo se um eventual pedido de extradição for formalizado. Mas, no âmbito interno, ele serve como termômetro da tensão política e como termômetro das estratégias da oposição em um Congresso cada vez mais polarizado.
No fim das contas, a mobilização em torno de Nadine Heredia vai além da ex-primeira-dama peruana. É um campo de batalha simbólico onde se confrontam visões de mundo, disputas narrativas e interesses políticos. E como em toda boa democracia, cabe à sociedade observar atentamente e exigir que o debate se mantenha nos trilhos da legalidade, da racionalidade e do interesse público.
Por Damata Lucas – Imagem: X