Por Damata Lucas
A recente reportagem da revista britânica The Economist, que critica a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e, em especial, do ministro Alexandre de Moraes, nos casos relacionados aos atos antidemocráticos no Brasil, reacendeu o debate sobre o papel das instituições na democracia brasileira. Para o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, o enfoque adotado pela publicação “corresponde mais à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado do que ao fato real de que o Brasil vive uma democracia plena”.
Mais do que uma discordância pontual sobre decisões judiciais, a crítica da Economist se insere num padrão histórico de atuação da revista, amplamente reconhecida por sua defesa das teses econômicas neoliberais e por apoiar iniciativas que favorecem a desregulamentação do Estado, a austeridade fiscal e a abertura de mercados – mesmo quando isso colide com a soberania de países em desenvolvimento ou com o desejo popular manifestado nas urnas.
Desde sua fundação, no século XIX, a The Economist vem se consolidando como porta-voz de uma visão econômica liberal clássica, com forte alinhamento ao mercado financeiro global. Em diferentes momentos históricos, a revista apoiou políticas de choque e reformas estruturais orientadas por instituições como o FMI e o Banco Mundial, frequentemente apresentadas como “modernizações” ou “necessidades inevitáveis”, mesmo quando impuseram custos sociais altos a populações locais.
Durante as décadas de 1980 e 1990, por exemplo, a publicação foi uma entusiasta das privatizações na América Latina, do desmonte de empresas estatais e da flexibilização das leis trabalhistas. No Brasil, esse viés editorial ficou evidente na cobertura elogiosa das políticas econômicas do governo FHC, e, mais tarde, na crítica sistemática a projetos de fortalecimento do papel do Estado, como os promovidos durante os governos Lula e Dilma.
Ao longo dos últimos anos, a The Economist demonstrou incômodo com lideranças políticas que desafiam as ortodoxias do mercado, especialmente quando essas lideranças surgem em contextos de países periféricos. Para a revista, a estabilidade institucional parece estar condicionada à manutenção de uma ordem liberal favorável ao capital financeiro. Quando há tensão entre soberania popular e interesses de mercado, a narrativa tende a pender para a deslegitimação dos primeiros.
No caso brasileiro atual, a crítica ao Supremo – particularmente ao ministro Alexandre de Moraes, que conduz investigações e ações relacionadas a ataques à democracia – não pode ser dissociada desse contexto mais amplo. Ao descrever o Judiciário brasileiro como “poderoso demais” e sugerir que sua atuação deve ser contida, a Economist ignora os riscos reais enfrentados pelo país nos últimos anos, incluindo a tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, e minimiza o papel do STF na preservação da ordem constitucional.
Na nota divulgada neste sábado (19), Barroso defende que todas as decisões da Corte foram motivadas por fundamentos legais e voltadas ao enfrentamento de crimes contra a democracia. Ele também destacou que o ministro Alexandre de Moraes “cumpre com empenho e coragem o seu papel, com o apoio do tribunal, e não individualmente”.
A crítica internacional, ainda que legítima no debate democrático, precisa ser lida com as devidas lentes históricas e ideológicas. A defesa da democracia não pode estar submetida a critérios seletivos, nem tampouco ser usada como ferramenta retórica para defender interesses econômicos em disputa.
Enquanto o Brasil segue buscando equilíbrio entre os Poderes e reconstrução institucional após ataques sistemáticos à sua democracia, é importante reconhecer que nem todas as vozes críticas falam em nome da liberdade – algumas falam, sobretudo, em nome do mercado.
Fonte: Pesquisas em fontes diversas – Imagem: Gustavo Moreno/STF