Data que celebra o amor convida também à reflexão: o Brasil enfrenta uma epidemia de violência contra a mulher, muitas vezes cometida por quem deveria amar e proteger.
O Dia dos Namorados, comemorado em 12 de junho, é uma data pensada para celebrar o afeto, o carinho e a construção de laços amorosos. Mesmo que sua origem comercial esteja ligada ao aquecimento das vendas no mês de junho, a data se consolidou como um momento especial para os casais reafirmarem sentimentos e fortalecem relações.
Mas, em meio às declarações de amor e aos gestos românticos, uma pergunta urgente ecoa: que tipo de amor estamos celebrando em um país onde milhares de mulheres são vítimas de violência dentro dos próprios relacionamentos?
O caso Raissa Suellen: quando a rejeição vira sentença de morte
Um dos episódios mais recentes e chocantes de feminicídio aconteceu no Paraná. A jovem Raissa Suellen Ferreira da Silva, de apenas 23 anos, foi assassinada no início de junho. Ela era miss, morava em Curitiba e foi atraída com uma falsa proposta de emprego para São Paulo feita pelo humorista Marcelo Alves, conhecido como “Alves Li Pernambucano”.
Segundo o depoimento do autor, tudo não passou de um plano para tê-la em sua casa e se declarar. Diante da rejeição de Raissa, que reagiu com firmeza, Marcelo a matou. “Perdi a cabeça”, disse ele, ao confessar o crime. O corpo da jovem foi deixado em um matagal em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba.
Raissa, como tantas outras, perdeu a vida não porque amou demais, nem por ter escolhido mal. Foi morta simplesmente por dizer “não” — algo que ainda é visto por muitos homens como inadmissível.
O retrato da violência contra a mulher no Brasil
O caso de Raissa não é isolado. O Brasil figura entre os países com maiores índices de feminicídio no mundo. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao menos 1.463 mulheres foram assassinadas por razões de gênero em 2023, o que representa uma morte a cada 6 horas.
A grande maioria desses crimes ocorre dentro de casa, cometida por parceiros ou ex-parceiros. Em 2023, 62% das vítimas de feminicídio foram mortas por pessoas com quem tinham ou tiveram um relacionamento amoroso.
Dados mais atualizados revelados nesta quinta-feira, 12, pelo próprio Ministério da Justiça e Direitos Humanos, apontam que houve redução do número de homicídios em 8% contra mulheres. Em 2023, foram 2.655 vítimas enquanto que, no ano seguinte, 2.422.
No entanto, os feminicídios aumentaram de 1.449 para 1.459, o equivalente a quatro vítimas por dia.
Os estupros também tiveram elevação, de 71.759 (em 2023) para 71.834 vítimas, no ano seguinte. A média é de 196 mulheres violentadas por dia.
As principais motivações incluem o fim do relacionamento, ciúmes, sentimento de posse, e resistência da mulher à submissão — todos resquícios de uma cultura patriarcal ainda profundamente enraizada na sociedade brasileira.
Outros casos que chocaram o país
Além de Raissa, outros nomes se tornaram símbolos dessa tragédia silenciosa e contínua:
- Tatiane Spitzner, advogada de 29 anos, foi jogada da sacada do prédio onde morava, em Guarapuava (PR), pelo marido, em 2018. O crime foi filmado pelas câmeras de segurança.
- Ágatha Félix, morta no Rio de Janeiro aos 8 anos com um tiro de fuzil, vítima de uma operação policial, é lembrada não apenas pela violência estatal, mas pela dor das famílias que perdem mulheres e meninas para uma sociedade que banaliza a morte.
- Bianca Lourenço, de 24 anos, assassinada e esquartejada pelo ex-namorado após decidir terminar o relacionamento, no Rio de Janeiro, em 2021.
Esses casos — entre milhares — mostram que o feminicídio não escolhe classe social, cor ou região. Ele é a ponta do iceberg de uma estrutura violenta e desigual.
O que falha, mesmo com leis duras?
Apesar de avanços como a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do Feminicídio (2015), o número de mortes não diminui. Especialistas apontam que o problema está na lentidão da justiça, na falha da proteção preventiva e na impunidade. Além disso, faltam políticas públicas de acolhimento, canais eficazes de denúncia e educação desde a base para desconstruir padrões tóxicos de masculinidade.
Amar é respeitar: relações afetivas saudáveis precisam ser ensinadas
Neste Dia dos Namorados, é fundamental reafirmar que o verdadeiro amor nunca oprime, agride ou mata. Amar é respeitar, ouvir, acolher e permitir a liberdade do outro. Relações saudáveis são construídas com afeto, empatia e diálogo — não com controle, medo ou chantagem emocional.
Celebrar o amor é, também, repudiar toda forma de violência travestida de cuidado, zelo ou paixão. O amor não fere. O amor não mata.
Se você está vivendo uma relação abusiva ou conhece alguém que esteja, busque ajuda. Denuncie. Há vida após o medo. E há um país inteiro que precisa reaprender a amar — com respeito e com justiça.
Onde buscar ajuda:
📞 Ligue 180 — Central de Atendimento à Mulher
📞 Ligue 190 — Polícia Militar (em caso de emergência)
🏠 Centros de Referência da Mulher e Delegacias da Mulher em sua cidade