Por Damata Lucas
Enquanto o Brasil tenta equilibrar suas contas públicas em meio a um cenário de desaceleração econômica, um novo capítulo da disputa entre o governo federal e o Congresso Nacional se desenha em torno da reedição do IOF — o Imposto sobre Operações Financeiras. A medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para manter a alíquota atual do imposto — cuja arrecadação é crucial para bancar políticas como o Programa de Sustentabilidade Fiscal dos Estados — enfrenta forte resistência na Câmara dos Deputados.
Os parlamentares, liderados por figuras influentes do centrão, ameaçam derrubar a medida e cobram do governo cortes mais profundos nos gastos públicos. No entanto, há uma linha que os deputados se recusam a cruzar: a redução das emendas parlamentares, que, só em 2024, somam mais de R$ 53 bilhões — valor maior que o orçamento total de vários ministérios.
O que é o IOF e por que ele voltou ao centro do debate
O IOF incide sobre operações como crédito, câmbio, seguros e títulos. Em fevereiro de 2024, o governo anunciou a reedição da MP que mantém a alíquota vigente sobre operações de crédito, que deveria cair a partir de 2025, como previa o cronograma anterior. Segundo o Ministério da Fazenda, a medida pode garantir uma arrecadação de até R$ 27 bilhões por ano, sendo essencial para cumprir a meta de déficit primário zero estabelecida no novo arcabouço fiscal.
Mas, para muitos deputados, manter o IOF é visto como aumento de carga tributária — algo politicamente impopular, especialmente em ano pré-eleitoral. A base aliada do governo no Congresso está rachada: enquanto a ala mais responsável fiscalmente reconhece a necessidade da medida, outros parlamentares aproveitam o momento para pressionar por mais recursos e barganhas políticas.
Emendas parlamentares: o elefante na sala
Ao mesmo tempo em que condenam o aumento de impostos, os deputados resistem ferozmente a qualquer tentativa de cortes nas emendas parlamentares. Para 2024, o volume aprovado ultrapassa R$ 53 bilhões, dos quais cerca de R$ 25 bilhões são de execução obrigatória — ou seja, o governo é obrigado por lei a pagá-las.
As emendas são ferramentas legítimas de alocação de recursos pelos parlamentares em suas bases eleitorais, mas têm sido cada vez mais criticadas pela falta de transparência, baixa eficiência na aplicação e uso político. Segundo estudo recente da Transparência Brasil, apenas 41% das emendas pagas em 2023 tiveram prestação de contas detalhada disponível ao público.
Além disso, diversos órgãos de controle identificaram repasses para entidades fantasmas, obras superfaturadas ou inacabadas e concentração de recursos em redutos eleitorais de líderes do Congresso, em detrimento de critérios técnicos ou necessidades reais da população.
A tributação dos super-ricos: o outro tabu
Outro ponto sensível que ronda a MP do IOF é a agenda de tributação dos super-ricos. Desde 2023, o governo tem tentado avançar em propostas para taxar fundos exclusivos e offshores — instrumentos utilizados por famílias bilionárias para pagar menos impostos. Embora essas medidas tenham sido aprovadas em parte, o Congresso ainda resiste à sua ampliação.
Enquanto isso, os 0,1% mais ricos do Brasil concentram quase 30% da renda nacional, segundo dados da Receita Federal e da World Inequality Database, e pagam proporcionalmente menos tributos do que a classe média, graças à baixa taxação sobre lucros e dividendos.
Na prática, o que se vê é um impasse: para equilibrar as contas, o governo precisa arrecadar mais ou cortar gastos — mas sofre pressão para não taxar os mais ricos nem tocar nas emendas. A fatura, portanto, recai novamente sobre a população comum, com medidas como o prolongamento da alíquota do IOF.
Pressões, chantagens e riscos fiscais
A queda de braço entre Executivo e Legislativo sobre o IOF escancara um jogo de forças em que a responsabilidade fiscal cede lugar a interesses imediatos. Deputados prometem derrubar a medida provisória ainda neste mês, caso o governo não “faça sua parte” nos cortes.
Mas a pergunta central permanece sem resposta: por que o Congresso exige cortes, mas se recusa a dar o exemplo com suas próprias emendas? E por que um país com tamanha desigualdade ainda hesita em tributar os super-ricos?
Medida Provisória do Governo (Agência Brasil)
A medida provisória (MP) que pretende compensar a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) prevê um corte de gastos obrigatórios de R$ 4,28 bilhões em 2025, divulgou na noite dessa quinta-feira (12) o Ministério da Fazenda. Para 2026, a economia está estimada em R$ 10,69 bilhões.
Os números foram compilados pelo Tesouro Nacional. Mais cedo, a Receita Federal havia divulgado que a MP reforçaria o caixa do governo em R$ 10,5 bilhões em 2025 e em R$ 20,87 bilhões em 2026.
Nos últimos dias, houve uma série de críticas de parlamentares de que o pacote fiscal do governo não promoveria corte de gastos, o que foi desmentido após a publicação da MP. No entanto, o Ministério da Fazenda levou quase 24 horas após a edição da medida provisória para esclarecer os impactos das medidas de redução de despesas obrigatórias.
As economias estimadas são as seguintes:
• Inserção do programa Pé-de-Meia no piso constitucional da educação: R$ 4,818 bilhões em 2026;
• Limitação a 30 dias de benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) a benefícios concedidos pelo Atestmed, sistema de atestado médico digital do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS): R$ 1,21 bilhão em 2025 e R$ 2,616 bilhões em 2026. Após esse prazo, será exigida perícia médica presencial;
• Teto para a compensação financeira que União paga a regimes de previdência dos servidores estaduais e municipais para incorporar o tempo de serviço no INSS, com valor limitado à verba definida na sanção do Orçamento: R$ 1,5 bilhão em 2025 e R$ 1,55 bilhão em 2026;
• Ajustes nos critérios para a concessão de Seguro Defeso, auxílio para pescadores durante o período do defeso, com homologação do registro de pescador pela prefeitura e teto limitado ao valor definido na sanção do Orçamento: R$ 1,575 bilhão em 2025 e R$ 1,703 bilhão em 2026.
Justificativas
Em relação ao Pé-de-Meia, o Ministério da Fazenda explicou, em nota, que a inclusão do programa no piso constitucional da educação a partir do próximo ano permite que o aumento dos gastos discricionários (não obrigatórios) em educação decorrente do piso possam financiar o programa. Segundo a pasta, a medida garante sustentabilidade fiscal do programa, ao otimizar a distribuição de recursos.
Sobre as mudanças no Atestmed, o ministério argumentou que a medida pretende dar prioridade ao benefício por incapacitação temporária a quem precisa. A nota ressaltou que uma norma infralegal (sem a necessidade de votação no Congresso) deve passar a autorizar o julgamento de mérito dos requerimentos no Atestmed pelo médico perito. Dessa forma, o profissional vai poder discordar parcial ou totalmente dos atestados médicos incluídos no sistema, inclusive em relação aos prazos de afastamento.
A instituição de um teto no seguro defeso, informou a Fazenda, o cadastro dos pescadores foi aperfeiçoado, com o registro sendo homologado não apenas no Ministério da Pesca e Aquicultura, mas pelas prefeituras ou governos estaduais. Segundo a pasta, a limitação do valor pago ao aprovado no Orçamento tem como objetivo tornar o programa sustentável.
Sobre os gastos com a compensação da União às previdências de servidores públicos estaduais e municipais, a pasta informou que o teto da dotação orçamentária inicial tem o objetivo de aumentar a eficiência na análise dos processos em que o governo federal é credor dos entes (estados e municípios). A Fazenda quer estimular o encontro de contas entre o que a União deve aos regimes de previdência estaduais e municipais e o que ela tem a receber deles.
Enquanto isso, o mercado observa com cautela, e economistas alertam que, sem o IOF e sem alternativas consistentes de corte ou compensação, o Brasil pode ver sua credibilidade fiscal ameaçada — e com ela, os investimentos, o crescimento e a geração de empregos.
Com informações da Agência Brasil