Marina Silva é humilhada no Senado, e a mídia silencia: a misoginia institucional segue firme no Brasil

Por Damata Lucas

A sessão desta terça-feira (27), no Senado Federal, escancarou mais uma vez o que o Brasil ainda reluta em reconhecer: a misoginia institucional é uma força brutal e viva no coração da República. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi submetida a uma sequência de ataques verbais violentos, desrespeitosos e preconceituosos por parte de senadores — homens, brancos em sua maioria, representantes da elite política que resiste a qualquer voz feminina que desafie seu monopólio de poder.

Marina, uma das figuras mais respeitadas da política ambiental no mundo, com décadas de luta em defesa da floresta, dos povos originários e do futuro do planeta, foi tratada com desprezo e hostilidade por parlamentares que não escondem sua agenda antiambiental e seu desdém pela presença feminina em espaços de decisão.

O que vimos foi uma tentativa de deslegitimar sua autoridade, interrompê-la sistematicamente, ridicularizá-la, questionar suas intenções e, pior, sua inteligência — um script cruel que muitas mulheres conhecem bem. Marina Silva foi alvo de uma humilhação pública arquitetada por aqueles que se incomodam com sua firmeza e convicções. Não foi um embate político: foi violência simbólica e institucional.

E o que fez a grande mídia? Noticiou o fato como se fosse apenas mais um episódio no cotidiano da política. Registrou, relatou, mas não se indignou. Nenhuma manchete tratou o que houve como violência política de gênero. Nenhuma editorial foi publicada em defesa da ministra. Nenhuma indignação proporcional ao que aconteceu. O silêncio da mídia — ou pior, sua normalização do ocorrido — é cúmplice.

Essa mesma mídia que ridiculariza a primeira-dama Janja por sua postura crítica e atuante. Que menospreza mulheres quando elas se colocam de forma firme. Que sempre busca enquadrá-las no estereótipo da “exaltada”, da “arrogante”, da “inconveniente”. Janja é atacada por exercer sua voz; Marina por ousar confrontar interesses poderosos; outras mulheres por não aceitarem o papel submisso que lhes foi imposto historicamente.

O caso Marina Silva não é isolado. Ele é sintoma de uma estrutura podre, que precisa ser denunciada com toda a força. As instituições brasileiras seguem falhando miseravelmente em proteger suas mulheres — especialmente as mulheres negras, periféricas, que ousam chegar ao poder. O Senado Federal deveria ser um espaço de debate democrático, mas hoje se mostra, para muitas, uma arena de emboscadas machistas.

E não há neutralidade possível diante disso. Quem se cala, consente. Quem trata a violência com indiferença, normaliza. Quem relativiza, colabora.

É preciso que haja uma reação coletiva. O silêncio não pode ser a resposta. É hora de dar nome ao que aconteceu: violência política de gênero. É hora de exigir retratação pública dos senadores agressores. É hora de questionar o papel da mídia na perpetuação desse ciclo.

Porque se a política brasileira não for capaz de respeitar Marina Silva, com toda a sua trajetória, seu reconhecimento internacional, sua coragem, então o que resta para todas as outras mulheres?

Entenda

As cenas repugnantes ocorreram durante a sessão deliberativa na tarde desta terça-feira (27), no Plenário, quando a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, deixou o local após três horas e meia de debate e desentendimento com o senador Plínio Valério (PSDB-AM). Enquanto alguns senadores afirmaram que  Marina foi vítima de machismo, outros criticaram a postura da ministra.

Na audiência, Marina foi cobrada pela demora na liberação de licenças ambientais. Em sua fala, o senador Plínio Valério disse que “a mulher merece respeito, a ministra não”. Após exigir um pedido de desculpas, que não foi atendido, a ministra decidiu se retirar do debate.

Durante o debate, o presidente da Comissão de Infraestrutura (CI), senador Marcos Rogério (PL-RO) disse para a ministra “se pôr no seu lugar”, o suprassumo do machismo.

Por conta disso, os senadores aventaram a possibilidade de uma convocação da ministra para, mais uma vez, enquadrá-la. Mas a líder da bancada feminina, senadora Leila Barros (PDT-DF), afirmou que não aceitará uma convocação. “Nós vamos fazer um auê aqui dentro e não vai ter convocação. Teve gente que fez papel pior aqui e ninguém pediu convocação. Não vai ter convocação da Marina porque nós vamos fazer uma mobilização nacional se tiver uma convocação, aqui, de qualquer mulher que foi tratada como ela foi tratada hoje. Não vai ter, não vai ter porque nós não vamos deixar.

Para ela, o episódio ocorrido na comissão foi triste e a ministra foi “desrespeitada de uma forma chocante”, teve a fala interrompida e chegou a ter o microfone desligado.

— Quando falam “ah, a ministra Marina estava alterada”, gente, ponham-se no lugar de uma pessoa que chega à comissão em que é convidada, uma ministra que já foi senadora da República, que conhece muito bem os ritos desta Casa. Ela é convidada para tratar de questões da pasta dela, Meio Ambiente, e começa a ser atacada (…). Que tipo de reação vocês querem de uma mulher que se sente acuada? — questionou a líder da bancada feminina.

Após a fala de Leila, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) também manifestou sua solidariedade com a ministra Marina. Ela pediu que os senadores homens se manifestem. Para a senadora, trata-se de uma questão de educação.

Em nota, a procuradora especial da mulher, senadora Zenaide Maia (PSD-RN), repudiou as falas dos senadores Marcos Rogério e Plínio Valério dirigidas a Marina Silva, que classificou como “ofensivas e desrespeitosas”. Para a procuradora, os dois senadores devem “desculpas contundentes” a Marina e a todas as mulheres brasileiras.

“Não vamos aceitar machismo, misoginia e qualquer outra forma de atacar a uma de nós, e reforço que os meios legais de defesa das vítimas devem ser acionados e operar com agilidade. O mínimo decoro parlamentar seria suficiente para exercer poder pedagógico preventivo a estes comportamentos que agridem a honra, a vida e a trajetória de uma mulher”, diz o texto.

Solidariedade

Também em nota, a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) expressou sua solidariedade à ministra. Ela disse que  Marina é respeitada por sua trajetória, sua firmeza e seu compromisso com o meio ambiente, e classificou a ministra como “uma das vozes mais reconhecidas dentro e fora do país”.

“Lamentavelmente, sofreu ataques misóginos e machistas. Isso não é apenas falta de educação. É reflexo de um machismo estrutural que insiste em nos calar. O que aconteceu com Marina Silva é inaceitável. Quando uma mulher como ela é tratada assim, todas nós somos atingidas. Não basta abrir espaços de poder para mulheres; é preciso respeitar nossa presença, nossa história, nossa voz”, disse Mara Gabrilli na nota.

Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, conversaram por telefone, nesta terça-feira (27), após a ministra ter abandonado uma audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado depois de ouvir falas desrespeitosas de parlamentares.

Segundo a assessoria da ministra, a conversa tratou da saúde do presidente, que se recupera de um quadro de labirintite. Durante a ligação, Lula aproveitou para dizer que Marina tomou a decisão certa ao se retirar da audiência e prestou solidariedade à auxiliar.

Marina Silva deixou a audiência após ser atacada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM). O tucano pediu a palavra para fazer uma pergunta e, em sua fala, disse que, como ministra, Marina Silva não merecia respeito.

Em nota oficial, Marina Silva relembrou um episódio anterior envolvendo Plínio Valério e que a manifestação de desrespeito não deixou alternativa que não fosse se retirar do local.

“Sou ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima e foi nesta condição que fui convidada a falar na Comissão de Infraestrutura do Senado (27). Ouvir de um senador que não me respeita como ministra, não me deu outra opção a não ser deixar a comissão. Ainda mais porque essa agressão veio do mesmo senador que, na outra vez em que estive no Senado, também como convidada, disse que foi muito difícil para ele me ouvir durante seis horas e 10 minutos sem me enforcar. E hoje ele, novamente, veio me agredir”, afirmou.

Durante a audiência, a ministra também foi repreendida e teve o microfone silenciado pelo presidente do colegiado, Marcos Rogério (PL-RO), que chegou a afirmar que ela “deveria se pôr em seu lugar”.

Janja e ministras se manifestam

Ministras do governo federal e a primeira-dama Janja da Silva repudiaram as agressões. Outros parlamentares, como o líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT-BA) e o líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), também se manifestaram em solidariedade à ministra.

Após o episódio, o senador Plínio Valério subiu à tribuna do Senado para se pronunciar. Ele não chegou a pedir desculpas, e voltou.

“Mulher é dever respeitar sempre. Foi o que disse à ministra Marina Silva e ela não me deixou continuar. Ministro, governador, senador posso respeitar ou não. E a do Meio Ambiente não tenho como respeitar porque ela nos desrespeita impedindo que sejamos brasileiros de fato e direito”, afirmou o senador, em referência à questão da pavimentação da BR-319, entre Manaus e Porto Velho, obra que atravessa alguns dos trechos mais sensíveis da Amazônia e que depende de licenciamentos ambientais e planos para prevenir o avanço do desmatamento.

Em sua nova manifestação, Marina Silva voltou a criticar a aprovação do projeto de lei que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental no país. O texto passou por ampla maioria no plenário do Senado, na semana passada, e voltará para análise na Câmara dos Deputados.

“O licenciamento ambiental é uma conquista da sociedade brasileira e, neste momento, sinceramente, só o povo brasileiro pode evitar o desmonte que está sendo proposto. Quem vota a favor desse desmonte pode pensar que está agredindo uma pessoa, mas está agredindo um povo, o futuro de um povo, até mesmo os direitos estratégicos de um povo”, afirmou.

“Toda a minha solidariedade à ministra Marina Silva, alvo de mais um episódio inaceitável de violência política. É revoltante assistir ao desrespeito e à tentativa de silenciamento de uma mulher”, escreveu a ministra da Cultura, Margareth Menezes.

“Impossível não ficar indignada com os desrespeitos sofridos pela ministra Marina Silva durante sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado”, escreveu a primeira-dama da República, Janja da Silva, em uma postagem nas redes sociais em que também lembrou da trajetória profissional de Marina, liderança ambientalista mundialmente reconhecida.

“Sua bravura nos inspira e sua trajetória nos orgulha imensamente. Uma mulher reconhecida mundialmente por sua atuação com relação à preservação ambiental jamais se curvará à um bando de misóginos que não têm a decência de encarar uma ministra da sua grandeza”, acrescentou.

A ministra da Mulher, Márcia Lopes, também saiu em defesa de Marina Silva.

“Ela foi desrespeitada e agredida como mulher e como ministra por diversos parlamentares ─ em março, um deles já havia inclusive incitado a violência contra ela. É um episódio muito grave e lamentável, além de misógino”, destacou.

“Marina Silva é minha amiga, minha referência. Hoje, ela foi desrespeitada, interrompida, silenciada, atacada no Senado enquanto exercia sua função como ministra do Meio Ambiente”, postou a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.

Com informações Agência Senado e Agência Brasil

Imagem: Lula Marques/Agência Brasil

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