A morte é uma das únicas certezas universais. E, ainda assim, permanece como um dos maiores mistérios da humanidade. Se para muitos ela representa um fim inevitável, para outros, é apenas uma transição. Em pleno século XXI, entre avanços tecnológicos e descobertas neurológicas, a pergunta persiste: o que acontece quando morremos?
A esperança da continuidade
A crença em uma vida após a morte está longe de ser exclusividade das grandes religiões. Para cristãos, a Páscoa simboliza a vitória sobre a morte com a ressurreição de Jesus. Judeus ortodoxos e muçulmanos também nutrem a esperança de uma vida futura, enquanto hindus e budistas concentram-se na ideia de reencarnação como redenção.
Porém, essa fé na continuidade da existência ultrapassa o campo religioso institucionalizado. Civilizações antigas como os egípcios, os maias, e até tribos do Neolítico realizavam rituais de sepultamento que apontam para uma crença na vida além da morte. Tumbas com utensílios, alimentos e símbolos espirituais eram preparadas para guiar o falecido na “grande travessia”.
A ciência da morte: o que o corpo revela
Do ponto de vista biológico, o corpo humano tem um limite de funcionamento de cerca de 120 anos — embora raramente seja alcançado. Em países como o Japão, a expectativa média de vida já ultrapassa os 84 anos, enquanto na Alemanha ela cresce cerca de três meses a cada ano. No Brasil, segundo o IBGE (2023), a média é de 76,3 anos.
A morte clínica, caracterizada pela parada dos batimentos cardíacos e da respiração, nem sempre é irreversível. Técnicas de reanimação conseguem restaurar os sinais vitais em até 10 minutos após a parada. Já a morte encefálica, na qual cérebro, cerebelo e tronco cerebral deixam de funcionar, é considerada, pela medicina, um ponto sem retorno.
Um estudo publicado em 2022 na revista Resuscitation acompanhou pacientes que sofreram parada cardíaca em hospitais dos EUA e do Reino Unido. Surpreendentemente, 39% relataram algum tipo de experiência durante o período em que foram considerados clinicamente mortos.
Experiências de quase-morte: alucinação ou revelação?
Sensações de flutuar sobre o próprio corpo, luzes brilhantes e encontros com entes queridos falecidos são descrições recorrentes de quem passou por uma experiência de quase-morte (EQM). O estudo AWARE II, liderado pela Universidade de Nova York, identificou padrões de atividade cerebral mesmo após a parada cardíaca — uma espécie de “onda de consciência” que dura segundos, talvez minutos.
Embora a neurociência explique essas percepções como respostas do cérebro privado de oxigênio, afetando áreas como o lobo temporal e o giro angular, muitos pesquisadores reconhecem que ainda há lacunas. “Sabemos que o cérebro pode gerar imagens e memórias em situações extremas, mas não conseguimos explicar por que há relatos tão detalhados e coerentes,” aponta o neurologista Sam Parnia, líder do estudo.
O corpo pós-morte: o tempo da decomposição
O processo de decomposição humana é relativamente bem documentado. O cérebro, que consome 20% do oxigênio do corpo, é o primeiro a entrar em colapso — em até 5 minutos sem oxigenação. Em seguida, vêm os órgãos vitais. A rigidez cadavérica se instala por volta das 2 horas após o óbito e pode durar até 72 horas. Já o trato gastrointestinal, por abrigar milhões de bactérias, continua ativo por até 3 dias, iniciando o processo de autodecomposição.
A decomposição completa de um corpo humano, sob condições naturais, pode levar até 30 anos. Em criptas lacradas e secas, esse tempo pode ser significativamente maior. E mesmo após a morte, patógenos continuam ativos: os vírus da hepatite B e C, por exemplo, sobrevivem por até uma semana; os bacilos da tuberculose, por mais de um ano.
A alma existe? O dilema entre ciência e fé
A ideia de uma “alma imortal” faz parte de uma tradição filosófica que remonta a Platão, passando por Descartes até o espiritualismo moderno. No entanto, as ciências cognitivas e a neuropsicologia tendem a ver a mente como produto da atividade cerebral.
Segundo estudos de 2023 do Instituto Max Planck, todos os processos mentais — da memória à tomada de decisões — estão associados a circuitos neurais específicos. Mas isso não anula a crença popular e filosófica de que a consciência possa ser algo além do físico.
Na ausência de evidência conclusiva, a questão permanece no território da fé — ou, como definem alguns pesquisadores, da “experiência subjetiva da transcendência”.
Enquanto a ciência tenta desvendar os mistérios do fim da vida, a humanidade continua a buscar sentido na morte — seja por meio da fé, da filosofia ou da tecnologia. E, talvez, essa busca seja a verdadeira prova de que ainda há algo mais a descobrir.
Por Damata Lucas – Fonte: Pesquisa – Imagem: Freepik