A Polícia Federal (PF) concluiu as investigações sobre o escândalo de espionagem ilegal envolvendo a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com o relatório final, apresentado nesta semana, foi identificado um esquema estruturado dentro da agência com o objetivo de monitorar ilegalmente autoridades dos Três Poderes, jornalistas e servidores públicos.
Segundo os investigadores, o então presidente Jair Bolsonaro sabia da existência do esquema clandestino e dele se beneficiava diretamente, o que amplia as implicações políticas e judiciais do caso.
Organização criminosa dentro da Abin
As investigações revelaram que policiais federais, servidores e funcionários da própria Abin formaram uma organização criminosa com atuação sistemática no monitoramento ilegal de pessoas consideradas “desafetos” do ex-presidente. Os alvos eram espionados por meio de invasões de celulares, computadores e rastreamento de localização, sem qualquer autorização judicial.
O principal instrumento utilizado pelo grupo era a ferramenta FirstMile, um software originalmente voltado para rastreamento em operações de segurança pública, mas que foi desviado de seu propósito e usado clandestinamente. A prática configurou grave violação da legalidade e dos direitos individuais.
A operação que revelou o caso ficou conhecida como “Última Milha”, deflagrada pela PF em 2024 e autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), dentro do escopo do inquérito das fake news. O nome da operação faz referência direta à ferramenta usada nos rastreamentos ilegais.
Alvos da espionagem: autoridades e jornalistas
A lista de pessoas monitoradas de forma ilegal é extensa e envolve nomes de peso no cenário político e institucional brasileiro. Entre os alvos estão:
- Judiciário: ministros do STF Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.
- Legislativo: o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); os deputados Kim Kataguiri e os ex-deputados Rodrigo Maia, Joice Hasselmann e Jean Wyllys; e os senadores Alessandro Vieira, Omar Aziz, Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues – todos membros ativos ou críticos na CPI da Covid.
- Executivo: João Doria, ex-governador de São Paulo; servidores do Ibama e auditores da Receita Federal.
- Imprensa: os jornalistas Monica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Bandeira e Pedro César Batista.
A diversidade dos alvos indica um uso político e seletivo da máquina de inteligência do Estado para perseguir opositores e controlar informações.
Proteção a familiares de Bolsonaro
A PF também identificou que o esquema foi usado para proteger familiares de Bolsonaro em investigações sensíveis. Auditores da Receita Federal que elaboraram relatórios contra Flávio Bolsonaro, no caso das “rachadinhas”, foram monitorados.
Outro caso citado envolve Jair Renan Bolsonaro, investigado por tráfico de influência em 2021. Segundo a PF, o “gabinete paralelo” de espionagem atuou para fabricar provas favoráveis ao filho do ex-presidente. Para isso, passaram a vigiar o ex-sócio de Jair Renan, Allan Lucena, e o empresário Luís Felipe Belmonte.
O papel e os desvios na atuação da Abin
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é um órgão central do sistema de inteligência do país, responsável por produzir relatórios estratégicos e proteger dados sensíveis de interesse nacional. Entre suas atribuições, estão:
- Auxiliar o Presidente da República em decisões estratégicas.
- Executar ações sigilosas e estudos sobre segurança nacional.
- Prevenir ameaças à ordem constitucional.
- Atuar tanto na inteligência interna quanto externa, diferente de países que separam essas esferas.
Tradicionalmente, a Abin esteve subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado por militares. Após os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) transferiu a Abin para a Casa Civil, buscando maior controle civil e transparência sobre suas operações.
Consequências políticas e jurídicas
O relatório final da PF pode abrir caminho para novas denúncias formais contra Bolsonaro e integrantes de seu governo. A conclusão de que o ex-presidente tinha conhecimento e se beneficiava do esquema fortalece pedidos de responsabilização criminal e pode impactar sua elegibilidade em futuras disputas eleitorais.
Além disso, parlamentares da oposição já cobram a criação de uma CPI específica para investigar o uso político da Abin, enquanto entidades da sociedade civil pedem maior controle sobre os órgãos de inteligência.
Da Redação – Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil