Por Damata Lucas
Enquanto o mundo se mobiliza para conter os efeitos catastróficos da crise climática, o Brasil caminha, perigosamente, na contramão. Aprovado no Senado sob o pretexto de desburocratizar e “modernizar” o processo de licenciamento ambiental, o Projeto de Lei 2159/2021 — apelidado com razão de PL da Devastação — é, na prática, uma licença para destruir, um retrocesso histórico disfarçado de eficiência.
Com 54 votos favoráveis e apenas 13 contrários, o Senado chancelou um texto que abre as porteiras para o autolicenciamento, exime empreendimentos agropecuários e até mesmo obras em áreas de risco de qualquer análise prévia por órgãos ambientais. Segundo o projeto, o próprio empreendedor poderá definir o grau de impacto de suas atividades. Em outras palavras: o lobo vai cuidar do galinheiro.
A relatora do projeto, senadora Tereza Cristina (PP-MS), tenta vender a proposta como um avanço, citando a necessidade de clareza regulatória e combate ao excesso de normas. Mas o discurso de “rigor técnico” não resiste ao teste da realidade. A dispensa de licenciamento para atividades consideradas “sem risco ambiental” — sem sequer definir com clareza o que isso significa — é uma brecha institucional para o avanço da destruição sobre áreas sensíveis, como territórios indígenas, unidades de conservação e biomas em colapso como o Cerrado e a Amazônia.
É importante lembrar que o licenciamento ambiental não é obstáculo: é escudo. Ele protege vidas, o equilíbrio dos ecossistemas, o abastecimento hídrico, a biodiversidade e o próprio futuro econômico do país. O que o PL da Devastação faz é implodir esse escudo, sob o argumento de que “trava investimentos”. O Brasil não precisa de menos regras ambientais — precisa de regras melhores e mais bem aplicadas, com fiscalização efetiva e responsabilidade compartilhada entre governo, sociedade e setor privado.
E não se trata apenas de um debate técnico. O enfraquecimento do licenciamento ambiental afeta diretamente as metas climáticas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris. Com a aprovação do PL, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) se tornam uma peça de ficção, jogando por terra os avanços recentes na redução do desmatamento e minando a credibilidade do país nas negociações climáticas internacionais.
Além disso, o projeto ameaça acordos comerciais estratégicos, como o pacto entre Mercosul e União Europeia, que já vem sendo cobrado pela ausência de compromissos socioambientais concretos. Ao contrário de atrair investimentos, o PL pode isolar o Brasil economicamente em um mundo que já exige, cada vez mais, cadeias produtivas sustentáveis.
As vozes da ciência, dos ambientalistas e de centenas de movimentos sociais que tomaram as ruas no domingo (1º) são unânimes: este projeto é a “mãe de todas as boiadas”. E não é exagero. Estamos falando de uma proposta que institucionaliza a lógica do “depois a gente vê”, a mesma que permitiu tragédias como Brumadinho e Mariana, que ceifaram vidas, destruíram rios e custaram bilhões ao país.
É preciso denunciar com veemência: o PL 2159/2021 é um projeto de desmonte ambiental que beneficia um setor econômico em detrimento da coletividade, da natureza e das futuras gerações. Não se trata de ser contra o progresso. Trata-se de ser contra um progresso predatório, que troca vidas por lucro rápido e compromete o futuro de todos.
O Brasil não pode ser o país que, em pleno 2025, legaliza o retrocesso ambiental. O momento é de resistência, de mobilização popular e de pressão sobre os deputados para barrar este atentado à vida. A sociedade já deixou claro nas ruas que não aceitará calada o avanço do desmonte ambiental. O Congresso precisa escutar — e agir com responsabilidade.
Porque não há economia possível num planeta morto. E não há justiça num país que opta pela devastação.
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