Proposta de aumento do IOF enfrenta rejeição no Congresso e no setor produtivo: ajuste justo ou manobra política?

O decreto do governo federal que elevou alíquotas do Imposto de Operações Financeiras (IOF) gerou fortes críticas do mercado financeiro. O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, revelou ter receio de que os investidores interpretassem a medida como controle do fluxo de capitais, apesar de o texto não prever expressamente isso.

O controle de capitais é a forma de o governo direcionar a entrada ou a saída do país de recursos estrangeiros ou nacionais, como investimentos e empréstimos, podendo ser usado para reduzir riscos à estabilidade da moeda local ou para políticas de industrialização.

O Ministério da Fazenda (MF) não apresentou o decreto do IOF como uma medida de controle de capitais, mas sim como uma forma de padronizar as alíquotas de IOF para aproximar, para as pessoas jurídicas, a carga do imposto cobrada de pessoas físicas. 

“Em nenhum momento houve qualquer discussão ou intenção de realizar controle de capitais de qualquer espécie e que a medida tratava-se de uma uniformização de alíquotas para diferentes setores, que foi prontamente revertida em função do surgimento de especulações de que isso poderia vir a ser considerado algum controle de capitais”, informou, em nota, o Ministério da Fazenda.

A medida visou também contribuir para alcançar a meta fiscal do governo definido pela regra do arcabouço. “As mudanças somam esforços para o equilíbrio fiscal, focando na uniformização e correção de distorções”, justificou o ministério, em nota.

A China é um exemplo que costuma ser lembrado de país com forte controle de capitais. O economista Pedro Faria explicou à Agência Brasil que esse instrumento é usado para limitar, direcionar e selecionar os capitais que se quer privilegiar e aqueles que se quer evitar, desencorajando ou impedindo determinadas operações.

“Normalmente, é muito voltado para o controle dos fluxos mais especulativos, que entram para ficar pouquíssimo tempo no país ou saem para ficar pouquíssimo tempo fora do país, com objetivo de construir um investimento especulativo de curtíssimo prazo”, disse.

Um exemplo de abertura do controle de capitais citado pelo especialista, e tomada no governo anterior, foi o fim da obrigação do exportador no Brasil manter no país os recursos obtidos com a venda no exterior. 

“Você mantém esses recursos lá fora e isso gera menos demanda por reais aqui no mercado de câmbio local, desvalorizando o real. A desvalorização do real tende a causar mais inflação, o que pressiona o Banco Central a aumentar juros para atrair mais capitais”.

Dólar
Cédula de 100 dólares americanos – Valter Campanato/Agência Brasil

Estabilidade da moeda

O professor de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Elias Jabbour, destacou à Agência Brasil que o controle de capitais é fundamental para reduzir a volatilidade da moeda ─ isto é, movimentos abruptos de queda ou de alta em curtos períodos de tempo.

“Com um maior controle de capitais, o preço do dólar em relação ao real não varia tanto de forma a não prejudicar expectativas futuras de investidores privados. Ele também blinda a política monetária, permitindo uma taxa de juros mais adequada com cada momento, sem nos preocuparmos tanto com o fluxo de entrada e saída de dólares”, disse.

Segundo a consultoria MoneYou, o Brasil tem a terceira maior taxa de juros real do mundo, ficando atrás apenas da Turquia e da Rússia. Os juros altos são criticados por reduzir os investimentos em produção e contraírem a economia. Já o BC defende a atual taxa para conter a inflação.   

Mercado financeiro

Os agentes do mercado financeiro – representados por empresas de investimentos, de gestão de ativos e de fundos que trabalham nas bolsas de valores – rejeitam qualquer controle no fluxo desses recursos e pressionam o governo contra medidas como a que aumentou o IOF de 0% para 3,5% de investimentos de fundos brasileiros sediados no exterior

O professor de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Elias Jabbour, afirmou que o mercado financeiro ganha muito com o livre fluxo de capitais, em especial, com a especulação cambial, que é o lucro obtido com compras e vendas de curtíssimo prazo de real e dólar, aproveitando o sobe e desce do valor da moeda brasileira em relação à norte-americana. As compras e vendas motivadas por essa busca impactam o próprio valor da moeda, aumentando a volatilidade.

“Evidentemente, existem questões ideológicas, pois o mercado financeiro defende que o fluxo livre de capitais é melhor para o Brasil se manter como exportador de commodities [matérias-primas brutas]. Isso porque o controle de capitais é instrumento de política industrial e o mercado financeiro é contra política industrial porque demanda intervenção do Estado na Economia”, avalia.

Poucas horas após o anúncio do aumento do IOF para fundos no exterior, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltou atrás após críticas do mercado financeiro.

O especialista Pedro Faria, por sua vez, ponderou que o mercado financeiro não gosta de restrições, “da mesma forma que motoristas não gostam quando você impõe uma restrição de velocidade e não veem que isso pode ter um benefício de longo prazo”.

Para o economista, o IOF poderia ser usado para conter fluxos de capitais especulativos de curtíssimo prazo. “Isso é um tipo de restrição à atuação desses agentes, mas, a meu ver, tem ganhos públicos para o país”, disse.

As mudanças no IOF foram amplamente rejeitadas pelas lideranças do Congresso Nacional, que deram prazo para o governo apresentar alternativas, o que pode afetar gastos sociais em saúde, educação e assistência social. 

Industrialização

O controle de capitais costuma ser utilizado também para induzir a industrialização do país. Especialista no desenvolvimento econômico chinês, Elias Jabbour contou que o Estado asiático usou o controle de capitais para que os investimentos estrangeiros estivessem vinculados à produção de bens e serviços.

“A abertura do controle de capitais é um chamativo para que um país como o Brasil se transforme num paraíso fiscal de dimensões continentais, enquanto que o controle de fluxos capitais induz investimentos produtivos em detrimento da especulação. Ele é um instrumento para políticas industriais”, comentou.

O economista Pedro Faria destacou que o Brasil, hoje, pratica a tributação e o registro de entrada de capitais, o que representa algum controle, mas avalia que a situação atual é “bem mais aberta que o adequado, tanto que temos uma taxa de câmbio muito volátil”.

“Temos que ter mais restrições para capitais de curtíssimo prazo. Tem que incentivar a permanência de capitais aqui, mesmo que isso venha ao custo de a gente não atrair tantos capitais de curtíssimo prazo. A gente dá preferência para capitais que vêm para serem investidos em produção, na compra de ativos de longo prazo”, defendeu.

Manobra política?

Mas, afinal, essa proposta é técnica, política ou equivocada?

A proposta do Ministério da Fazenda envolve a elevação de alíquotas sobre operações específicas de crédito e câmbio, ainda em estudo, com potencial para gerar bilhões de reais extras na arrecadação anual.

A justificativa do governo é ampliar receitas em meio à dificuldade de cortar despesas, cumprir a meta de déficit zero ou, ao menos, minimizar o rombo nas contas públicas previsto para 2025.


Reações negativas do setor produtivo e do Congresso

A proposta encontrou resistência imediata de entidades empresariais, do agronegócio, da indústria, do setor financeiro e de parlamentares de diferentes partidos:

  • A Confederação Nacional da Indústria (CNI) criticou a medida por encarecer o crédito e travar a atividade econômica, especialmente em um momento de juros ainda altos e recuperação lenta.
  • A Frente Parlamentar do Empreendedorismo classificou o aumento como uma “medida contraproducente que vai onerar ainda mais quem produz e consome”.
  • A bancada do agronegócio, influente no Congresso, teme que a proposta afete operações de financiamento rural e investimentos estrangeiros no setor, elevando custos e prejudicando a competitividade.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, já sinalizou que a proposta não avançará facilmente no Legislativo, especialmente em ano pré-eleitoral e com um Congresso mais liberal em questões econômicas.


É uma proposta justa ou uma jogada política?

O debate em torno da proposta está longe de ser apenas técnico. Críticos sugerem que o aumento do IOF atinge, de forma indireta, grandes grupos econômicos e financeiros, o que teria motivações políticas, já que o governo Lula tem buscado retomar o protagonismo sobre o sistema financeiro e impor maior controle sobre o capital especulativo.

Ao mesmo tempo, a proposta atinge também o cidadão comum, principalmente nas operações de crédito pessoal, cartão de crédito e financiamento de consumo — o que contradiz o discurso social do governo de proteger os mais vulneráveis.

Economistas ouvidos pela imprensa e por consultorias apontam que o aumento do IOF pode, sim, gerar receita de curto prazo, mas ao custo de desincentivar o consumo e travar o crédito, afetando o crescimento econômico. Ou seja, poderia ser um “tiro no pé” em termos de política econômica.


Há alternativas?

Analistas e setores produtivos defendem que o governo deveria focar mais no corte de gastos ineficientes e na revisão de renúncias fiscais bilionárias, como as que beneficiam setores específicos (combustíveis, mineração, agronegócio e igrejas), em vez de criar ou aumentar impostos sobre a atividade produtiva e o consumo.

Outras alternativas incluem a melhoria da eficiência na arrecadação já existente, a aceleração da reforma tributária infraconstitucional, e a revisão de subsídios e incentivos fiscais desnecessários, que somam mais de R$ 400 bilhões por ano.


Conclusão: proposta necessária ou erro estratégico?

A proposta de aumento do IOF parece se inserir mais no contexto de pressão por metas fiscais e necessidade imediata de caixa, do que em uma estratégia estrutural de reequilíbrio das contas públicas. Embora tenha algum efeito arrecadatório de curto prazo, os custos econômicos e políticos podem ser altos.

Do ponto de vista técnico, a proposta é controversa; do ponto de vista político, é arriscada. E do ponto de vista social, pode penalizar justamente quem mais depende do crédito para sobreviver.

Enquanto o governo busca formas de equilibrar as contas, cresce a pressão para que a saída não recaia novamente sobre os mesmos: consumidores, trabalhadores e empreendedores de pequeno e médio porte.

Fonte: Agência Brasil – Clique PI / Imagem: Marcello Casal Jr.

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