A solidão, muito além de uma sensação emocional, é um fenômeno de saúde pública que vem ganhando atenção crescente por seu impacto direto no bem-estar físico e mental — especialmente entre os adultos mais velhos. Um estudo recente da Escola de Saúde Pública TH Chan, da Universidade de Harvard, trouxe à tona um dado alarmante: a solidão crônica pode aumentar em até 56% o risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC). A descoberta reforça a necessidade de incluir o combate ao isolamento social nas políticas preventivas de saúde.
Isolamento social e AVC: ligação mais perigosa do que se pensava
Embora já se soubesse da associação entre solidão e doenças cardiovasculares, como hipertensão e infarto, poucas pesquisas haviam se debruçado sobre a conexão direta entre solidão persistente e o risco de AVC — uma das principais causas de morte e incapacidade no mundo. O estudo, publicado na revista eClinicalMedicine em junho de 2024, mostrou que o impacto da solidão no risco de AVC é independente de outros fatores de saúde, como depressão, doenças crônicas ou baixo nível de atividade física.
Em outras palavras, mesmo pessoas fisicamente saudáveis, mas socialmente isoladas, podem ter risco aumentado de sofrer um derrame cerebral.
Como o estudo foi conduzido
A pesquisa acompanhou mais de 8.900 adultos com 50 anos ou mais, todos sem histórico de AVC, entre os anos de 2006 e 2018. Os participantes responderam a questionários que avaliavam seus sentimentos de solidão e o nível de conexão social com familiares, amigos e a comunidade. Quatro anos depois, foram reavaliados para identificar a persistência do isolamento.
Os resultados foram claros: a solidão crônica — aquela que persiste ao longo do tempo, e não é apenas pontual — foi associada a um risco 56% maior de AVC, mesmo após ajustes por variáveis como condições médicas, hábitos de vida e saúde mental.
Números que preocupam
Durante o acompanhamento, foram registrados 1.237 casos de AVC entre os que participaram apenas da primeira fase do estudo. Já entre os que completaram as duas etapas e relataram solidão crônica, 601 sofreram derrames — um dado que reforça o peso do fator social na saúde cerebral.
Pesquisas anteriores já haviam indicado que a solidão pode desencadear uma cascata de respostas fisiológicas negativas, como aumento da inflamação, maior produção de hormônios do estresse (como o cortisol) e alteração na pressão arterial — todos elementos que contribuem para a ocorrência de eventos cardiovasculares.
Um problema global que exige soluções locais
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou recentemente a solidão como uma “ameaça urgente à saúde pública global”, especialmente entre idosos, jovens e populações vulneráveis. Estima-se que até 25% dos adultos mais velhos vivam em algum grau de isolamento social, com impacto direto na qualidade de vida, no risco de doenças e até na longevidade.
No Brasil, dados do IBGE indicam que mais de 4,4 milhões de idosos vivem sozinhos, um número que tende a crescer com o envelhecimento da população. Em paralelo, iniciativas de convívio comunitário, centros de apoio a idosos e redes de voluntariado ainda são escassas ou mal estruturadas em muitas regiões do país.
Prevenção passa pela conexão humana
Para os especialistas envolvidos na pesquisa de Harvard, promover o contato social e fortalecer laços afetivos deve ser tão importante quanto incentivar hábitos saudáveis como a prática de exercícios físicos ou uma alimentação equilibrada. Estratégias como grupos de convivência, programas intergeracionais, apoio psicológico e incentivo à vida comunitária são ferramentas poderosas na promoção da saúde e na prevenção de doenças.
Também é fundamental treinar profissionais de saúde e cuidadores para identificar sinais de isolamento entre os mais velhos e agir de forma preventiva. A tecnologia — muitas vezes apontada como uma causa do distanciamento social — também pode ser aliada, com o uso de aplicativos e plataformas que promovam interação e acessibilidade para idosos.
Conclusão: a importância de olhar além dos fatores clínicos
O estudo de Harvard lança um alerta importante: o bem-estar emocional e social não pode mais ser tratado como algo secundário na saúde pública. A solidão crônica, silenciosa e muitas vezes invisível, é um fator de risco real e mensurável para doenças graves como o AVC.
Em um mundo cada vez mais envelhecido e, paradoxalmente, desconectado, pensar em políticas públicas que valorizem o convívio humano e fortaleçam os vínculos sociais é uma necessidade urgente — e uma forma poderosa de salvar vidas.
Edição: Redação Clique PI – Imagem: Freepik