A Suprema Corte dos Estados Unidos emitiu uma decisão emergencial, na madrugada deste sábado (19), suspendendo temporariamente a política do ex-presidente Donald Trump de deportar imigrantes venezuelanos com base na controversa Lei de Inimigos Estrangeiros, de 1798. A suspensão ocorre em meio a alegações de violações legais graves e riscos iminentes aos direitos civis dos detidos.
O que é a Lei de Inimigos Estrangeiros?
Promulgada durante a presidência de John Adams, em 1798, no contexto de tensões com a França, a Alien Enemies Act (Lei de Inimigos Estrangeiros) permite que o presidente dos EUA ordene a prisão ou deportação de cidadãos estrangeiros de países com os quais os EUA estejam em guerra ou sob ameaça de invasão. Ao longo da história, essa legislação foi utilizada em apenas três ocasiões — todas durante conflitos militares, como a Segunda Guerra Mundial, quando foi aplicada contra imigrantes japoneses, alemães e italianos.
A invocação da lei em tempos de paz, especialmente para justificar deportações em massa de imigrantes acusados de crimes, é extremamente incomum e juridicamente controversa.
A política de Trump e a aplicação inédita da lei
Em 15 de março de 2025, Trump reativou a lei para justificar a deportação sumária de venezuelanos acusados de envolvimento com a gangue Tren de Aragua, uma organização criminosa com origem na Venezuela e que vem sendo apontada por autoridades americanas como responsável por crimes como tráfico de drogas, extorsão e homicídios em solo americano.
A administração Trump alegou que a presença da gangue no país representaria uma ameaça à segurança nacional, equiparando-a a uma “invasão estrangeira”, e, portanto, justificaria o uso da lei mesmo fora de um contexto formal de guerra.
A medida causou indignação entre juristas, defensores de direitos humanos e políticos da oposição, que consideraram o uso da legislação uma distorção perigosa dos poderes presidenciais. A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) entrou com uma ação judicial em nome de dezenas de venezuelanos detidos, argumentando que a medida era inconstitucional e abusiva.
Decisões judiciais e controvérsias
No mesmo dia em que Trump anunciou a ordem, o juiz federal James Boasberg determinou a suspensão temporária da aplicação da lei, alegando que o governo não poderia remover indivíduos sem o devido processo legal, especialmente sem garantir o direito à revisão judicial. Apesar disso, a Casa Branca autorizou a decolagem de dois voos de deportação com destino a El Salvador, transportando 238 venezuelanos para o Centro de Confinamento de Terrorismo, uma prisão de segurança máxima.
Os advogados do Departamento de Justiça argumentaram que os voos já haviam deixado o espaço aéreo dos EUA quando a decisão judicial foi formalmente emitida — ignorando uma ordem verbal anterior. A Justiça Federal ainda avalia se houve descumprimento da decisão judicial, o que pode configurar crime de responsabilidade por parte de membros do governo.
Durante a audiência no Tribunal de Apelações do Distrito de Columbia, a juíza Patricia Millett fez uma crítica contundente: “Nazistas receberam tratamento mais justo sob a Lei de Inimigos Estrangeiros do que os venezuelanos deportados”. O tribunal manteve a suspensão da medida, mas Trump recorreu à Suprema Corte.
Em uma decisão anterior, no dia 7 de abril, a Suprema Corte havia permitido, com restrições, o uso da lei para deportar indivíduos vinculados a organizações criminosas, desde que fossem respeitados certos requisitos legais: notificação adequada dos deportáveis e garantia de revisão judicial.
A decisão deste sábado, no entanto, reverte temporariamente essa permissão, após denúncias de que o governo não estava cumprindo essas exigências. Segundo os advogados dos imigrantes, muitos venezuelanos estariam prestes a ser removidos do país sem qualquer chance de defesa ou revisão judicial.
“O governo está instruído a não remover nenhum membro do grupo provisório de detidos dos Estados Unidos até nova ordem desta Corte”, diz a decisão da Suprema Corte, que foi emitida de forma não assinada.
Reações políticas e impacto humanitário
Trump reagiu com fúria à decisão do juiz Boasberg, chamando-o de “lunático da esquerda radical” e exigindo seu impeachment. As declarações provocaram a reação do presidente da Suprema Corte, John Roberts, que repreendeu o ex-presidente por atacar a integridade do Judiciário.
O caso também trouxe à tona situações humanas dramáticas. Um exemplo citado é o de um treinador de futebol venezuelano que foi deportado por ter uma tatuagem de coroa — interpretada erroneamente como símbolo da gangue Tren de Aragua, mas que na verdade homenageava o time espanhol Real Madrid. Familiares e defensores argumentam que muitas das prisões foram baseadas em perfis raciais e estigmatizações culturais.
Contexto político e eleitoral
A política de Trump de intensificar deportações e aplicar leis de segurança nacional contra imigrantes está sendo interpretada como uma estratégia para galvanizar sua base eleitoral em meio à corrida presidencial de 2024. Ele tem prometido, em comícios, “limpar o país do crime importado” e restaurar o que chama de “ordem nas fronteiras”.
Críticos afirmam que essa retórica representa um perigoso precedente para o uso de legislações de emergência em contextos civis e acusam o ex-presidente de promover uma agenda de perseguição política e étnica.
Edição: Damata Lucas – Imagem: Raymond M.E Aguirre/Unsplash