Tecnologia e comportamento: uso excessivo é vício ou falta de educação digital?

Atualmente, práticas como acordar e olhar o celular ou fazer as refeições diante de telas tornaram-se tão comuns que é difícil imaginar um cotidiano sem internet, redes sociais e tecnologia. Mas será que passar a maior parte do dia conectado configura um vício?

De acordo com Anna Lucia Spear King, psicóloga, doutora em saúde mental e uma das fundadoras do Instituto Delete, nem sempre o uso prolongado das tecnologias representa um vício patológico. Muitas vezes, trata-se apenas de uma má educação para o uso consciente das telas. Segundo ela, a chave para evitar os prejuízos do uso excessivo está justamente na educação digital.

Fundado em 2013 no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Instituto Delete é pioneiro no Brasil e um dos primeiros do mundo a se dedicar à pesquisa sobre os impactos das tecnologias na saúde mental, além de oferecer orientação sobre uso consciente e tratamento de dependência digital.

Anna Lucia explica que, ao longo dos anos, a relação das pessoas com a tecnologia mudou profundamente. Inicialmente, os casos de uso excessivo estavam quase sempre associados a transtornos como ansiedade, depressão ou fobia social, que levavam os indivíduos a se refugiar no universo digital. No entanto, com a popularização dos smartphones e o avanço das redes sociais, o uso cotidiano e contínuo se tornou regra, aumentando o número de pessoas que se percebem excessivamente conectadas.

Apesar disso, a psicóloga alerta: usar tecnologia por muitas horas todos os dias não significa, necessariamente, estar viciado. Muitas pessoas que procuram o Instituto Delete acreditam sofrer de dependência, mas, após avaliação, conclui-se que o problema está mais na falta de limites e regras claras do que em um vício propriamente dito. Nesses casos, o que se recomenda é a reeducação digital.

Por outro lado, há sim situações em que o uso se torna patológico. É o caso da nomofobia, termo que descreve a dependência extrema de dispositivos móveis, geralmente acompanhada por transtornos mentais como depressão, ansiedade ou compulsão. Nesses casos, o tratamento envolve avaliação psiquiátrica e psicológica, podendo incluir terapia e, se necessário, medicação.

Entre os principais fatores de alerta estão prejuízos na vida pessoal, social, acadêmica ou profissional. Problemas como queda no rendimento escolar, dificuldades no trabalho e conflitos familiares são indicativos de que o uso da tecnologia pode estar ultrapassando limites saudáveis.

O instituto também tem observado um crescimento no número de casos relacionados a jogos e apostas online. Essas atividades são estruturadas para estimular o prazer imediato, liberando substâncias como dopamina e serotonina no cérebro. Isso cria um ciclo viciante, no qual a pessoa busca repetir a experiência prazerosa, mesmo acumulando perdas financeiras e problemas pessoais.

Esse mesmo mecanismo está presente nas redes sociais, onde curtidas e comentários positivos funcionam como reforços que alimentam o desejo constante por validação.

Quando se trata de crianças e adolescentes, o alerta é ainda mais enfático. Segundo King, os pais são os principais responsáveis pela vida digital dos filhos. Não é aceitável que menores usem a internet sem supervisão. A rede é uma porta aberta para o mundo, com todos os seus riscos, incluindo pessoas mal-intencionadas. O uso descontrolado por crianças geralmente reflete a ausência de orientação dos adultos.

A especialista destaca que, assim como aprendemos normas básicas de convivência desde cedo, como comer com talheres ou não falar com estranhos, também deveríamos aprender, desde pequenos, a usar a tecnologia de forma consciente. No entanto, como muitos pais não foram educados digitalmente, acabam tendo dificuldades para orientar os filhos.

Nesse sentido, King elogia a nova lei que restringe o uso de celulares nas escolas brasileiras. Para ela, a medida é um avanço importante, pois incentiva a interação, a prática de esportes e o desenvolvimento social dos estudantes. O uso das tecnologias deve ocorrer com orientação dos professores, como ferramenta pedagógica, e não como forma de isolamento.

A mensagem principal do Instituto Delete é clara: nem todo uso intenso da tecnologia é um vício. Muitas vezes, falta apenas educação digital, limites claros e consciência dos impactos que o comportamento digital pode gerar. É preciso aprender a usar a tecnologia a favor do bem-estar, e não em detrimento dele.

Edição Clique PI – Com informações Agência Brasil – Imagem: Fábio Rodrigues-Pozzebom

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